Escola Azul: programa com onda

Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano, Rede Ressoa Oceano

Instituto de Biologia
Universidade Estadual de Campinas
Rede Ressoa Oceano

Brasil é o primeiro país a incluir a cultura oceânica nos currículos escolares, buscando a conscientização sobre a importância dos oceanos e a conservação marinha

CRÉDITO: ESCOLA AZUL

O Brasil tem assumido um protagonismo na região Sul do globo e se tornado referência mundial em cultura oceânica. No dia 10 de abril, o país se tornou o primeiro a incluir a cultura oceânica nos currículos escolares nacionais. A decisão foi oficializada por meio do Protocolo de Intenções, durante o Fórum Internacional Currículo Azul, na sede do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em Brasília.

Mas, por que é tão importante incluir a cultura oceânica no currículo das escolas? Primeiro, é preciso lembrar que, em 600 páginas do documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), se conta nos dedos as vezes que aparecem palavras relacionadas ao ‘mar’ ou ao ‘oceano’. Isso explica por que durante a escolarização há um desconhecimento sobre o assunto. Nesse cenário, qual é a visão de um adulto sobre o ambiente marinho? 

Segundo, é preciso entender a importância do oceano para a vida de todo o planeta, incluindo o bem-estar humano: regulação climática, produção de oxigênio, fontes de alimento e renda, transporte marítimo e comércio internacional. Na maioria das vezes, as pessoas se limitam a pensar no oceano como fonte de lazer. E esse gargalo, infelizmente, não acontece só no Brasil. 

Após diferentes discussões, Portugal lançou, em 2017, o programa Escola Azul a fim de promover a conscientização sobre a importância do oceano entre os alunos da educação básica. Essa abordagem promove uma compreensão abrangente sobre a interdependência entre o oceano e as atividades humanas, integrando disciplinas tradicionais com temas relacionados ao oceano.

Maré de ciência

No Brasil, o programa Escola Azul começou a operar em 2021. Aqui, a iniciativa é coordenada pelo projeto de extensão da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Maré de Ciência. No programa, as escolas são incentivadas a trabalharem temas sobre o oceano de forma transversal dentro do currículo escolar. 

Atualmente, o Brasil conta com 374 escolas azuis cadastradas em 22 estados, exceto Roraima, Amapá, Rondônia e Goiás, mobilizando mais de 100 mil estudantes.

O programa nasceu da necessidade de as pessoas terem maior consciência sobre o papel do oceano em suas vidas e sobre a importância de conservá-lo. Essa é a essência da cultura oceânica (Ocean Literacy, em inglês), que é a compreensão de como o oceano influencia nossas vidas e como nossas ações influenciam o oceano.

Em meados da década de 2010, aconteceram diversos fóruns europeus de educação marinha, em que especialistas em cultura oceânica manifestaram interesse em envolver as escolas em temas relacionados ao oceano. 

Portugal foi pioneiro em reconhecer que essa iniciativa fortaleceria a cultura oceânica no contexto da educação básica. Com o apoio do Ministério do Mar, um grupo de trabalho nacional delineou o programa Escola Azul, que foi lançado como piloto em 2017 (figura 1).

Figura 1. Linha do tempo do Programa Escola Azul

CRÉDITO: ADAPTADO PELAS AUTORAS COM BASE NO ARTIGO ‘THE BLUE SCHOOL PROGRAM: A MODEL FOR HOLISTIC OCEAN LITERACY EDUCATION’, SUSTENTABILITY, 2025

Em 2020, o programa português toma uma dimensão ainda maior e passa a fazer parte da Rede de Escolas Azuis do Atlântico (All-Atlantic Blue School, em inglês). O objetivo da rede é conectar os países de todo o Atlântico para compartilharem conhecimentos e histórias de modo a incentivar a cultura oceânica e a conscientização da sociedade.

Em 2024, o COI-UNESCO criou a Rede Global de Escolas Azuis, uma forma de dar oportunidade a que outros países interessados ​​ingressassem nesse movimento. Além dele, há outras iniciativas, como o Programa Escola Guardiã do Oceano, nos Estados Unidos, e a Escola Oceânica do Canadá, que utilizam tecnologias imersivas e projetos práticos de conservação para promover a cultura oceânica.

Escolas azuis em Portugal

O programa português busca criar oportunidades, desafios, iniciativas e concursos que podem ajudar escolas a trabalharem de modo transversal a temática oceânica. Segundo suas diretrizes, cada escola precisa desenvolver um projeto educativo sobre o oceano com a duração mínima de dois anos letivos. Esse projeto deve respeitar um conjunto de oito requisitos (figura 2).

Figura 2. O programa português de escolas azuis estabelece que cada escola tenha um projeto educativo sobre o oceano, com duração mínima de dois anos, que respeite oito requisitos.

CRÉDITO: ESCOLA AZUL PORTUGAL

“O mar faz parte da nossa vida em múltiplas dimensões (ambiente, cultura, história, gastronomia, economia etc.) e os projetos das escolas podem refletir essa abrangência e até funcionar como agentes de mudança, pressionando as comunidades em que se inserem a ser mais ativas no respeito pelo oceano”, relata Maria João Ferreira, chefe de Divisão de Comunicação Estratégica do Programa Escola Azul de Portugal.

Os projetos das escolas azuis podem ir além de uma perspetiva restrita ao mar, com práticas educacionais que estimulem a cultura oceânica em regiões distantes do mar. “A temática da poluição marinha é sempre muito abordada pelas escolas azuis e, no interior do país, acaba por ser também uma boa forma de abordar o oceano”, afirma Maria.

A curiosidade das crianças é, sem dúvida, um facilitador para conhecer e sensibilizar. “Com adolescentes, tende a ser um processo mais complexo, já que vão tendo outras preocupações e outros interesses próprios da idade. Não obstante, acreditamos que os jovens estão cada vez mais despertos para as questões ambientais”, pondera Maria. 

Ela cita que, entre as quase 500 escolas azuis, incluem-se quatro de hotelaria e turismo, que procuram sempre trabalhar os recursos marinhos e perceber de que formas sustentáveis podem ser incluídos na alimentação ou até transformá-los em produtos com valor comercial. Há também projetos que envolvem ativamente os pais dos alunos em todas as ações práticas, saídas de campo, visitas de estudo e expedições.

Entre as conquistas do programa, destacam-se o fato de os professores se sentirem mais confortáveis para abordar temas do oceano e de os próprios alunos cada vez mais se apropriarem de questões relacionadas à preservação do maior ambiente da Terra.

Exemplo inspirador no Brasil

A cultura oceânica é uma realidade no currículo escolar na Escola Municipal Professora Maria Ivone Müller dos Santos, no município litorâneo de Navegantes, em Santa Catarina, que desde sua implementação, em 2022, vem ganhando repercussão municipal e nacional. 

A professora de ciências, Tamily Roedel, comenta que, neste ano, ela pediu para que uma de suas turmas de 7º ano fizesse um livro que seria cadastrado no Estante Mágica, uma empresa de impacto social que lança livros criados por crianças e adolescentes no contexto escolar. Cada aluno fez sua história envolvendo o oceano. Uma menina de 11 anos escreveu sobre raias e golfinhos e, ao final, colocou a mensagem: “obrigada Escola Azul e Maria Ivone por nos ajudar a deixar tudo mais limpo. Escola Azul mais uma vez deixando tudo mais perfeito, com agradecimento, arraia”. 

Segundo Tamily, é difícil medir o quanto esse trabalho resulta nas mudanças de comportamento dos estudantes, mas, frente aos relatos de alguns, acredita que está dando certo. A professora explica que a escola fica em bairro carente, com uma cultura de jogar o lixo no chão. Muitos alunos não conhecem a praia e outros ambientes costeiros de Navegantes. Para aproximá-los desses ambientes, Tamily leva os participantes do clube de cultura oceânica para coletarem resíduos nas praias e fazerem levantamento de espécies de animais que encontram. Eles já têm um acervo de conchas e uma conta no aplicativo iNaturalist que ajuda na identificação das espécies. 

Além das atividades desenvolvidas na escola, há projetos que surgem da conexão com outras escolas do Brasil e de outros países do programa. Uma delas foi a participação dos alunos no projeto internacional AtlantEco, em que os estudantes fizeram perguntas relacionadas ao oceano para pesquisadores de diferentes países, o que gerou um livro chamado Booklet.

A educação e a busca pela conscientização sobre o oceano nas escolas é parte fundamental dos esforços de conservação marinha. Principalmente, para transformar a cultura, em direção ao respeito à natureza. 

*A coluna Cultura Oceânica é uma parceria do Instituto Ciência Hoje com a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo e com o Projeto Ressoa Oceano, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

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